Rodrigo Dalga entrevista Valéria Franco

Rodrigo Dalga entrevista Valéria Franco.

Rodrigo: Como você descreveria a partir de sua experiência na Cia o funcionamento dos processos criativos propostos?

Valéria: São processos criativos feitos em laboratórios dentro da sala de ensaio, então a gente começa a explorar um tema, às vezes exige uma pesquisa sobre esse  tema antes de ir para sala de aula, uma pesquisa teórica ou de imagens, mas normalmente as ideias vão aparecendo dentro do laboratório. Então se inicia com uma ideia e a partir dessa ideia vão surgindo desdobramentos. Esses desdobramentos que acontecem dentro do laboratório eles também vão sendo pesquisados a medida que necessário, as vezes nao precisa dessa pesquisa sobre o tema, às vezes é conhecimento das pessoas que estão ali mesmo, mas quando é necessário a gente vai buscar outras fontes sobre aquele assunto e aí o roteiro ele vai se constituir a partir dos desdobramentos da ideia inicial. As cenas vão sendo construídas separadamente, geralmente sem música ou com músicas que vão ajudar na construção da cena mas não necessariamente a música que vai ser usada de fundo por que eu não quero que a música tenha uma influência direta naquilo que eu estou construindo, então é a partir mesmo da ideia, claro que às vezes pode ocorrer de querer aquela música ser coreografada pra aquela cena naquele momento, mas não é usual. Então a cena coreográfica ela vai sendo construída a partir dessas ideias e depois então é fechado um roteiro como se fosse um quebra-cabeça, e ai a gente vai experimentando esse roteiro, as vezes muda a ordem, as vezes o que era a primeira cena vai para o final ou vai pro meio, para construir um raciocínio linear de algo que a pessoa vai assistir e ela vai ter uma leitura sobre aquilo.

Rodrigo: O que você enxerga como pilar estruturante do trabalho artístico da companhia?

Valéria: A base estruturante, o pilar do trabalho da companhia é a improvisação e como que ela acontece entre o público a música e quem tá em cena e eu acho também que tem uma coisa que é a linguagem de cada integrante da companhia, por que isto, a linguagem  individual e como cada um se comunica, conversa, interage dentro da companhia, isso reverbera nos espetáculos. Então por exemplo A Bola e a Boneca que é um espetáculo que já tem vinte e um anos, ele foi montado com um elenco diferente, já passaram sete ou seis elencos diferentes. Cada elenco que vem para aprender A Bola e Boneca contribui de uma maneira diferente pro espetáculo, ele não é mais o mesmo espetáculo de quando foi montado, ele é assim no roteiro, mas nem nos diálogos por que os diálogos são improvisados. Existe uma contribuição pessoal de cada intérprete dentro de cada espetáculo, assim é no Psiu vem brincar, no Cuidado que Pega. Então é estruturante, é um pilar a linguagem que cada bailarino tras para companhia e como que eles se relacionam dentro da improvisação. 

Rodrigo: Como você se vê durante os processos criativos ou ensaios da Cia?

Valéria: Nunca pensei sobre isso, como eu me vejo? Eu acho que eu sou muito generosa e dou bastante espaço para que os bailarinos intérpretes se coloquem e tragam um pouco da sua arte pessoal para dentro do espetáculo. Eu me vejo como uma diretora com afeto, eu trabalho muito nesse lugar do afeto.

Rodrigo: Mas você nem sempre foi diretora?

Valéria: Eu nem sempre fui só diretora, eu venho de um lugar do intérprete, do criador intérprete, das coreografias que eu criei e interpretei. Então eu venho desse lugar, eu me coloco muito no lugar de quem tá ali fazendo o trabalho quando estou fazendo direção. Eu respeito muito, eu gosto de ver e ouvir as visões dos intérpretes dentro do trabalho, eu acolho muitas visões ali dentro. 

Rodrigo: E como era quando você estava sendo intérprete criadora?

Valéria: Na companhia? A gente trabalhou com alguns diretores, o Burnie  uma época dirigiu o “Percussao pra quem gosta”, que ainda não era companhia Tugudum, e era assim, não que tivesse afeto, tinha, mas era mais duro, era a visão dele somente.

Rodrigo: Mas em relação aos processos criativos, como você se sente durante eles?

Valéria:  Existe conflito, questionamento, insegurança, vontade de colocar coisas e às vezes não tem espaço pra isso. Eu acho que todo processo passa por essas questões todas que eu estou falando, não é tudo felicidade. Tem angústia, você tem que se deparar as vezes com uma trava sua de algo que você tem dificuldade de estar se expressando daquela maneira, mas é algo que o trabalho está exigindo. Eu vejo isso como um crescimento pessoal, individual, quando acontece com alguém ou quando acontecia comigo dentro de algum trabalho que eu tinha alguma dificuldade eu ia a fundo, me entregava realmente e tentava superar aquilo para que o espetáculo acontecesse da melhor forma. Então eu tenho essa consciência de que não é tudo fácil, e nem tem que ser. Eu tenho esse olhar de saber o quanto está difícil ou não para o intérprete, o quanto ele está se propondo de fazer aquilo de uma forma verdadeira, que eu acho que isso que faz um bom espetáculo, fazer com verdade, ser verdadeiro para o intérprete. Eu me encontrei em situações que aquilo que estava sendo proposto para o espetáculo não era uma verdade pra mim, então eu tive que encontrar uma verdade para que acontecesse de verdade. São desafios da arte, estar em cena, interpretar e se colocar.

Rodrigo: Qual você acha que é a principal referência da linha de pesquisa da CIA Tugudum?

Valéria: A Música Cênica, Laban também,  é que fomos além, mas é baseado no método do Laban, que é a minha formação na verdade. Tem a dança Clássica, mas ela já ficou lá para trás. Eu tenho uma formação bem grande de anos de aula de Ballet e de sapatilha de ponta, mas junto com isso eu fazia aula de dança moderna do método laban com Denilton Gomes e  Janice Vieira. Então eu acho que isso é uma base bem forte da minha formação, então isso se carrega, não tem como não, mas também fiz teatro quando era bem jovem, tenho um pé no teatro bem forte. Então é dança teatro basicamente, eu nunca quis chamar de dança teatro por que o Ballet teatro era muito associado a técnica do ballet clássico com o teatro, essa junção, e eu quis romper com isso, queria procurar uma outra maneira de de mexer com o corpo de expressar com o corpo que não fosse dentro desse formato do clássico, então por isso eu falo dança contemporânea e teatro, mas é basicamente nesta linha da dança teatro e não do ballet.

Rodrigo: Qual trabalho ou companhia você acha que tem mais semelhanças com a Cia Tugudum?

Valéria: Eu acho que tem muita semelhança com um grupo de dança de Belo Horizonte que se chama “Primeiro Ato”. 

Rodrigo: Por que?

Valéria: Por que eles unem muito bem a dança com o teatro, é um grupo de Dança Teatro bem interessante. 

Rodrigo: Com música também?

Valéria: Não, é muito particular música cênica. Eu acho que tem uns grupos agora, novos, trabalhando com isso que a gente faz. O Ivaldo Bertazzo montou um espetáculo que eu acho que tem um pouco a ver, ele trabalha com sons e os bailarinos tocam vasos. Mas eu não vejo um grupo que trabalhe exatamente nessa linguagem.

Rodrigo: E a Andréia Nhur e o grupo Pró-Posiçao?

Sim, que é da escola onde eu venho. Eu dancei no Pró-Posição, Ballet Teatro dirigido na época pelo Carlos Roberto Mantovani, fiz curso de teatro com o Roberto Gil. Eu venho dessa escola na verdade, mas eles começaram a trabalhar música cênica depois que eles viram a gente. Então eu acho que tem aí um marco,  que é o espetáculo Percussão Pra Quem Gosta, ele é um marco de trabalho de pesquisa nesta linha de música cênica com dança. A gente levou esse trabalho pra Sorocaba no espaço da Regina Claro, a Janice foi assistir junto com o Roberto Gil, a Andréia Nhur era bem menina e depois ela começou a pesquisar dentro desta linha, mas na verdade vem antes, a Andreia começou a pesquisar isso depois. Mas tem que perguntar isso pra ela. Os trabalhos da Gianice me influenciaram muito, esta época da Pró-Posição do Ballet Teatro, eu tenho uma memória da minha admiração. Já existia uma busca de um corpo, de uma expressividade que não era dentro do clássico, embora a escola chamasse Ballet Teatro Gianice Vieira , por que a formação dela também era dentro do clássico. Ela foi estudar com a Maria Duschenes, todo ano ela ia para os Estados Unidos estudar no Center Laban, então ela vinha com uma bagagem que ela passava pra gente nas aulas. Então eu venho dessa escola.

I Deguste Tugudum Improvisação 26 e 27/08 – percussão e dança

Percussionistas e dançarinos confirmados: Ricardo Botter Maio, Denni Pontes, Dalga Larrondo, Magrão Perez, Chico Santana, João Stecca, Gloria Cunha, Gabriel Pelegrine, Ding Dong, Coré Valente, Cia Tugudum, Grupo das Escaravelhas, Daniella Gatti, Valéria Franco, Renata Dória, Cecília Gomes, Ava Soani, Ana Márcia Nori entre muitos outros.

A improvisação é o risco, é o arriscar, é o lugar onde tudo ou nada acontece. Improvisar é buscar o novo, é sair da mesmice.

Nas artes o improviso é fundamental sendo muito utilizado em laboratórios de criação e atualmente no palco.

O Tugudum está neste momento mergulhando neste imprevisto e acreditando em um novo processo para seus eventos.