Música Cênica ou Música Instrumental Teatral (Instrumental Music Theatre) é um termo que apareceu na segunda metade do século XX, para se referir a obras instrumentais nas quais o compositor utiliza intencionalmente, além de elementos sonoros, material visual e teatral. Assim, ações dos intérpretes, tais como seus próprios gestos instrumentais, ou mesmo outros gestos e movimentos em palco, bem como recursos visuais como iluminação, cenário e figurino passam a ter uma importância estética semelhante por exemplo à forma e harmonia. Um dos principais nomes na história deste gênero foi o do argentino Maurício Kagel.
Nascido em Buenos Aires em 1931, Kagel mudou-se para a Alemanha no final dos anos 50, interessado especialmente em trabalhar nos então recém criados estúdios de música eletrônica. Aos poucos ele acabou se estabelecendo como um dos grande nomes da música contemporânea européia e mundial, sempre ligado à busca de uma linguagem experimental e original. Ironia, humor e um certo tom provocativo (especialmente aguçado pelo seu olhar crítico sobre tradições e convenções da sociedade e da música de concerto) eram características de Kagel que acabaram refletindo em sua música. Apesar da escola de composição da época ser toda baseada na estruturação de processos sonoros, Kagel, em certa parte influenciado por John Cage, soube reconhecer a força e importância da performance musical como um ritual de gestos instrumentais aos quais a platéia, além de ouvir, também assiste. Assim, nas suas composições ele passou a manipular e definir ações e gestos do intérprete, tornando-se um dos pioneiros e possivelmente o mais importante compositor (junto com Stockhausen) da chamada Música Instrumental Teatral.
Kagel produziu nos anos sessenta uma série de obras nas quais os músicos tornam-se personagens de dramas sem palavras. Em Atem, por exemplo, um instrumentista de sopro representa o papel de um músico idoso tentando tocar repetidamente uma mesma frase musical. Em Match, dois violoncelistas estão engajados em um jogo de tênis, tendo um percussionista como árbitro. É interessante notar que Kagel não necessariamente pede que os músicos se tornem atores. Ele simplesmente se utiliza de ações que na maioria das vezes são típicas e presentes na própria execução instrumental. Assim, o que ele faz é nos lembrar que toda e qualquer performance instrumental já é um drama, dependente de uma variedade de fatores como os próprios rituais da tradição de concerto e o estado psicológico e presença física do performer. Sobre o ponto de vista da performance, o papel do músico continua essencialmente sendo o mesmo: tocar e respeitar as indicações da partitura, como ele faz com qualquer outro repertório. Por outro lado, sendo o aspecto visual agora uma parte estrutural importante da obra, o músico acaba sendo levado a se preocupar mais com ele, e com isto, o seu ofício pode se aproximar em determinados momentos também do de um ator.
Dressur, de 1977, para 3 percussionistas e instrumentos de madeira, é segundo Kagel, um reflexo sobre o mundo do circo. A peça traz referências tanto sonoras quanto visuais à ideia de circo. Na verdade, Kagel, utiliza o circo como uma metáfora para falar de dominação humana e de certos constrangimentos também comuns ao mundo da música. No circo, homens e animais muitas vezes são treinados para executar e repetir fielmente tarefas bizarras. “Dressur”, em alemão, significa algo como adestramento ou um ato realizado por animais treinados, no caso da obra, os três instrumentistas. A partitura contem várias explicações sobre a ampla gama de instrumentos utilizados, visto que muitos deles são raros ou são empregados na obra de maneira pouco comum. A partitura também descreve várias ações dos músicos. Muitas destas ações originam diretamente sons (bater uma cadeira no chão) ou são necessárias para se produzir um som (pegar um instrumento, ou andar em direção a outro instrumento). Há momentos, no entanto, em que as ações não se relacionam diretamente com a produção do som (andar no palco, por exemplo). Como se é esperado pelo título, algumas ações estranhas ou até mesmo bizarras também são indicadas e explicadas na partitura. No seu papel de animal adestrado (ou sendo adestrado) cada percussionista segue fielmente a partitura e executa todas as ações nela contidas.
O concerto traz também a estréia da obra Interferência. Segundo a compositora Thais Montanari, “Interferência é resultado do meu trabalho de residência com o Grupo de Percussão da UFMG. A ideia inicial da peça surgiu em consequência ao meu crescente interesse em explorar a composição relacionada a elementos extra-musicais e a minha vontade em relacionar esses elementos voltados à música feita para percussão. A utilização de luzes é o elemento extra musical utilizado nessa peça – no set de cada percussionista é adicionado um instrumento peculiar: um conjunto de um interruptor e um dimmer. A iluminação passa a fazer parte da música, sendo tratada como elemento musical que interage e intervém no fluir dos acontecimentos musicais, bem como no modo de ouvir do público.” (Thais Montanari)
Obs: Várias informações sobre Dressur foram extraídas de nota de programa escrita por Paul Griffiths. Original disponível em: http://www.mondayeveningconcerts.org/notes/022210.html